Você acaba de intubar um paciente que foi uma via aérea difícil sem predadores, e demorou alguns segundos a mais mesmo com a ajuda do bougie. A sala vermelha está cheia, muito ruído paralelo acontecendo, e durante a avaliação na ausculta há dúvida se o tubo está realmente posicionado na via aérea. A saturação do paciente ainda está baixa e caindo, mas você olha para o monitor e repara que já na terceira ventilação a curva do capnograma se mantem estável, e você se tranquiliza com o posicionamento no tubo na traqueia.
O que é Capnografia?
Capnografia é o registro gráfico, representando em onda (capnograma) a concentração instantânea do CO2 nos gases durante cada ciclo respiratório.
Através da avaliação da quantidade de CO2 do ar expirado, conseguimos inferir informações sobre a Ventilação, perfusão pulmonar, e a produção do CO2 (metabolismo aeróbio).
A capnometria é definida como a quantidade medida (EtCO2) de CO2 que aparece em forma de número no monitor. Representa o pico do CO2 no final da expiração, compatível com os gases alveolares.
A curva normal da capnografia
São 4 fases:
- Fase I: Linha de base inspiratória, secundária aos gases inspirados que tem pouco ou nenhum CO2.
- Fase II: É o começo da Expiração que acontece quando o espaço morto anatômico e os gases dos alvéolos/bronquios transicionam;
- A transição da Fase II para a III é o angulo Alfa
- O angulo Alfa pode ser usado para avaliar distúrbios de perfusão/ventilação (V/Q). Distúrbios V/Q apresentam um angulo Alfa maior que 90 graus.
- Fase III : É o platô alveolar, porção dos gases alveolares. Seu pico (transição entre a fase III para IV) é onde medimos a EtCO2.
- Fase IV: ou fase 0, reflete a queda inspiratória, ou seja o inicio da inspiração.
A primeira funcionalidade da avaliação da monitorização do CO2 é a confirmação com precisão da Intubação Traqueal, tão bem demonstrado e recomendado através do NAP4 (um registro das maiores complicações no manejo da via aérea no Reino Unido). Não usar capnografia para confirmar o posicionamento do tubo estava associado com dessaturação e morte pela falta de reconhecimento de intubação esofágica.
Seja para confirmar uma intubação que você realizou ou em caso de transferência de paciente do pré-hospitalar ou de outro serviço.
Esse é um gráfico de uma Intubação Esofágica:
Após, duas a três ventilações você já pode confirmar o posicionamento, Intubação endotraqueal:
Intubaçao seletiva:
EXISTE CORRELAÇÃO ENTRE A EtCO2 e a PaCO2?
Sim, mas é preciso cuidado para fazer essa avaliação por questões do dispositivo e distúrbios V/Q. Em geral a PaCO2 é maior, com uma diferença de 2 a 5mmHg.
AGORA, VAMOS A DIVERSÃO:
Uso da capnografia durante a Reanimação Cardiopulmonar:
Avaliar o EtCO2 durante a RCP te traz informações sobre a qualidade da ventilação e de forma indireta a qualidade da Massagem Cardíaca (através da perfusão pulmonar), além de um dos parâmetros de prognóstico.
Chega um paciente em PCR, você solicita que se inicie a massagem cardíaca, carrega o desfibrilador, checa o ritmo (chocável), volta a massagem cardíaca, e agora? Vamos intubar? – Sendo só um médico na equipe você pode considerar nessa fase inicial avaliar a curva de capnografia com os dispositivos não definitivos(BVM, ML), e apresentando uma curva minimamente adequada, vc pode postergar a intubaçao para um momento mais oportuno. Não havendo ventilação ou curva nenhum, considerar a possibilidade de corpo estranho e avaliar avançar com intubaçao mais precocemente. Sem atrapalhar a Massagem Cardiaca!
Durante o ciclo você pode avaliar a qualidade da RCP que deve gerar em torno de 25 a 35% do debito cardíaco normal. Enquanto houver perfusão que gere fluxo sanguíneo até os pulmões, haverá CO2 nos alvéolos, que será medido pelo capnografo se a ventilação for efetiva. Queremos uma EtCO2> 10 a 20mmHg. Caso não esteja no parâmetro ideal, a primeira coisa a se fazer é melhorar a qualidade da massagem cardíaca (avaliar profundidade, liberação do torax e velocidade).
Caso seja confirmado uma boa RCP e a curva se mantiver baixa, avalie a via aérea e considerar a intubaçao mais precoce.
Após mais de 20 minutos de RCP, caso a curva de ETCO2 se mantenha abaixo de 10mmHg, (sem causa reversível), a chance do paciente adquirir RCE (retorno da circulação espontânea) é mínima, então você pode usar mais esse parâmetro para decidir encerrar os esforços.
Por outro lado, se no meio do ciclo a curva de EtCO2 faz um salto e dobra de valor, isso sugere melhora da perfusão provavelmente por RCE. Se for uma mudança brusca e persistente, você pode considerar parar a massagem cardíaca e checar o pulso!
(Idealmente você deve ter confiança nessa avaliação, com cuidado para não interromper a massagem cardíaca que é o tratamento crucial, ou espere terminar o ciclo).
Além disso podemos interpretar o formato da curva de capnografia para várias alterações que podem mudar conduta no cuidado do paciente critico:
Pocket Guide: Left – Intubated Patient, Right – Non-intubated Patient Available at: http://www.emsworld.com/article/10287447/capnography-as-a-clinical-tool
Padrões para reconhecer:
Linha reta de ETCO2:
- Desconexão do ventilador
- Via aérea mal posicionada – extubação, intubação esofágica
- Capnógrafo não conectado ao circuito
- Parada cardiorrespiratoria
- Teste de apnéia em paciente com morte encefálica
- Obstrução de capnongrafia
AUMENTO DE ETCO2:
Produção de CO2
- Febre
- Bicarbonato de Sódio
- Liberação de torniquete
- Embolia venosa por CO2
- Superalimentação
Perfusão pulmonar
- Aumento do débito cardíaco
- Aumento da pressão arterial
Ventilação alveolar
- Hipoventilação
- Intubação brônquica
- Obstrução parcial das vias aéreas
- Re-inalação
Mau funcionamento do aparelho
- Exaustor de CO2
- Fluxos de gases inadequados
- Vazamentos na tubulação do ventilador
- Ventilador com mau funcionamento
DIMINUIÇÃO ETCO2
Produção de CO2
- Hipotermia
Perfusão pulmonar
- Débito cardíaco reduzido
- Hipotensão
- Hipovolemia
- Embolia pulmonar
- Parada cardíaca
Ventilação alveolar
- Hiperventilação
- Apnéia
- Obstrução total das vias aéreas (observe as altas pressões das vias aéreas)
- Extubação
Mau funcionamento do aparelho
- Desconexão do circuito (observe as baixas pressões das vias aéreas)
- Vazamentos no tubo de amostragem
- Ventilador com mau funcionamento
QUEDA SÚBITA EM ETCO2 A ZERO
Tubo torcido ET
Analisador de CO2 com defeito
Desconexão total
Ventilador com defeito
MUDANÇA SÚBITA NA LINHA DE BASE (NÃO A ZERO):
Erro de calibração
Absorvedor de CO2 saturado (verifique o capnógrafo com ar ambiente)
Gotas de água no analisador ou condensação no adaptador de vias aéreas
AUMENTO SÚBITO DE ETCO2:
ROSC durante parada cardíaca
Correção da obstrução do tubo
LINHA DE BASE INSPIRATÓRIA ELEVADA:
Re-inalando CO2
Contaminação do monitor de CO2 (elevação repentina da linha de base e da linha superior)
Mau funcionamento da válvula inspiratória (elevação da linha de base, prolongamento do curso descendente, prolongamento da fase III)
Mande Sugestões! Adoramos feedback!
Cite esse artigo como:
Jule R O G Santos, Capnografia na Emergencia, 23/09/21 em
Referências:
- Brit Long, Interpreting Waveform Capnography: Pearls and Pitfalls, no http://www.emdocs.net/interpreting-waveform-capnography-pearls-and-pitfalls/ , em 23/09/21
- drgdh, “ALS: Airway, Breathing, Capnography???,” in St.Emlyn’s, October 11, 2012, https://www.stemlynsblog.org/als-airway-breathing-c02/.
- Chris Nickson, Capnography Waveform Interpretation, nov 3, 2020, no https://litfl.com/capnography-waveform-interpretation/
- Chris Nickson, Capnography and CO2 Detectors, Nov 3, 2020, em https://litfl.com/capnography-and-co2-detectors/
- [Peer-Reviewed, Web Publication] Luo, S., McCauley M. (2021, Sept 9). Basic Capnography Interpretation. [NUEM Blog. Expert Commentary by Trueger N.S]. Retrieved from http://www.nuemblog.com/blog/capnography
- https://derangedphysiology.com/main/cicm-primary-exam/required-reading/respiratory-system/Chapter%205593/abnormal-capnography-waveforms-and-their-interpretation
- Cook TM, Woodall N, Frerk C. A national survey of the impact of NAP4 on airway management practice in United Kingdom hospitals: closing the safety gap in anaesthesia, intensive care and the emergency department. Br J Anaesth. 2016 Aug;117(2):182-90. doi: 10.1093/bja/aew177. PMID: 27440629.
- Long E, Cincotta D, Grindlay J, Pellicano A, Clifford M, Sabato S; Paediatric Research in Emergency Departments International Collaborative (PREDICT). Implementation of NAP4 emergency airway management recommendations in a quaternary-level pediatric hospital. Paediatr Anaesth. 2017 May;27(5):451-460. doi: 10.1111/pan.13128. Epub 2017 Feb 28. PMID: 28244630.
- Kolar M, Krizmaric M, Klemen P, Grmec S. Partial pressure of end-tidal carbon dioxide successful predicts cardiopulmonary resuscitation in the field: a prospective observational study. Crit Care. 2008;12(5):R115. doi: 10.1186/cc7009. Epub 2008 Sep 11. PMID: 18786260; PMCID: PMC2592743.
- Anthony M. Napoli e Ken Deitch, Monitoring the Emergency Patient, Rosen’s Emergency Medicine: Concepts and Clinical Practice, 9th ed. Chapter 5, 62-67.e1.