Você está de plantão em um hospital de alto volume, e recebe esse paciente masculino, 35 anos, com queixa de lesão bolhosa em mãos. Ele refere que está preocupado com a possibilidade de ser a nova infecção que está sendo muito falada na mídia ultimamente. Ele refere que há 3 dias apresentou febre e mal estar. E só hoje percebeu algumas lesões na mão direita. Como orientá-lo?
DE ONDE VEIO?
Trata-se de uma zoonose procedente do continente africano, mais especificamente da África ocidental. É um vírus da família orthopoxvírus e é responsável pela mais relevante infecção humana por esse tipo de vírus desde a erradicação do Smallpox (varíola humana). Estes patógenos são intimamente relacionados sorologicamente, sendo necessários anti-corpos específicos para diferenciá-los. O primeiro caso reportado de infecção humana pelo Monkeypox ocorreu em 1970, com o surgimento de casos esporádicos pelo continente africano, com surtos sendo identificados apenas na República Democrática do Congo. A síndrome clínica é caracterizada por febre, erupção cutânea e linfadenopatia. As complicações da Monkeypox podem incluir pneumonia, encefalite, ceratite com risco de perda da visão e infecções bacterianas secundárias. No Brasil, até 12/09/22 foram registrados 6.970 casos entre suspeitos e confirmados.
OS SINAIS E SINTOMAS
As características clínicas da infecção pelo Monkeypox se assemelham ao Smallpox. Comumente, se apresenta com um pródromo febril que pode vir acompanhado de cefaléia generalizada e fadiga. Em seguida, surge a linfadenopatia, acometendo com maior frequência as regiões maxilar, cervical e inguinal, variando de 1 a 4cm de diâmetro. Caracterizam-se semiologicamente por serem firmes e, em alguns casos, dolorosos. A linfadenopatia não é uma condição encontrada frequentemente em pacientes infectados pelo smallpox, podendo ser um sintoma que diferencie clinicamente as duas condições. Entretanto, esta hipótese requer estudos mais aprofundados. A história natural da doença segue com o aparecimento de erupções cutâneas, que surgem inicialmente como uma mácula, evoluindo posteriormente para pápulas, vesículas e pústulas. A febre tende a ceder no dia do aparecimento das lesões cutâneas, ou em até 3 dias após o seu surgimento. A quantidade de lesões pode variar significativamente, podendo acometer a região oral e dificultar a ingestão de água e a dieta.

COMPLICAÇÕES E SINAIS DE GRAVIDADE
A depender da extensão da doença , os pacientes podem evoluir com infecção bacteriana secundária no tecido cutâneo e de partes moles, sendo observada em cerca de 19% dos casos de pacientes não vacinados para o Monkeypox. A pele pode se apresentar edemaciada, rígida e extremamente dolorosa, se fazendo necessário um bom manejo álgico dos doentes. A ocorrência de um segundo período febril pode ser indicativo de deterioração do estado clínico dos pacientes, sobretudo no período em que surgem as pústulas. Observa-se uma prevalência maior de complicações e sequelas na população não vacinada em relação ao público vacinado (74% e 39,5%, respectivamente). Podem ocorrer complicações pulmonares com desconforto respiratório, como broncopneumonia, indicando infecção secundária. No departamento de emergência, os doentes podem apresentar desidratação severa em decorrência de vômitos e diarreia, bem como distúrbios ácidos básicos e hidroeletrolitícos. Encefalite e septicemia, embora sejam condições raras, foram encontradas em pacientes com lesões cutâneas múltiplas (>4500).
Qual população está mais exposta
Pessoas que frequentam lugares com grande aglomeração de pessoas, assim como as sexualmente ativas e com múltiplas parcerias, bem como os profissionais da saúde são grupos mais expostos ao contágio devido à forma de transmissão, contato direto com o doente ou maior probabilidade de se ter contato com outra pessoa infectada. Assim como em outras patologias de etiologia viral, são considerados grupos mais vulneráveis a população imunossuprimida, as gestantes e as crianças. As autoridades sanitárias, bem como o Ministério da Saúde (MS) do Brasil, possuem protocolos e diretrizes específicas direcionados para cada grupo.
Como investigar
A investigação tem início com o surgimento de um caso suspeito, sendo este definido como indivíduo que apresente de forma súbita lesões profundas, bem circunscritas, por vezes com umbilicação central, evoluindo de forma sugestiva (máculas que evoluem para pápulas, vesículas, pústulas e crostas). Podem ser únicas ou múltiplas em qualquer parte do corpo. Proctite e edema peniano também podem ser considerados como casos suspeitos. Em seguida, deve-se aventar a possibilidade de um caso provável, sendo este definido como um caso suspeito com um ou mais dos seguintes critérios: contato próximo e prolongado sem proteção respiratória, ou exposição física direta e prolongada, bem como sexual, com múltiplos(as) parceiros(as) e/ou desconhecidas nos 21 dias antes do início dos sintomas; contato próximo e prolongado sem proteção respiratória, ou exposição íntima, bem como sexual, com casos confirmados ou prováveis de monkeypox nos 21 dias antes do início dos sintomas; contato próximo e prolongado sem proteção respiratória, ou exposição íntima, bem como sexual, com casos confirmados ou prováveis de monkeypox nos 21 dias antes do início dos sintomas; contato com materiais de uso pessoal pertencentes a casos confirmados ou prováveis de monkeypox nos 21 dias antes do início dos sintomas; profissionais da saúde que prestaram atendimento a casos suspeitos ou prováveis sem o uso correto de equipamentos de proteção individual nos 21 dias antes do início dos sintomas. Um caso passa a ser definido como confirmado com teste molecular detectável para o patógeno, sendo considerado como caso descartado com teste molecular não detectável.
Como tratar
A maior parte dos pacientes com Monkeypox apresentam um quadro leve e vão se recuperar sem necessidade de medicação.
Porém alguns pacientes podem necessitar de medicação para alívio da dor (por exemplo, para dor relacionada à proctite ou amigdalite). Além disso, para condições como proctite podem ser usados laxantes, lidocaína tópica e/ou banhos de assento.
Cuidados de suporte que requerem hospitalização podem ser necessários para aqueles que têm ou estão em risco de desidratação (por exemplo, náuseas, vômitos, disfagia, amigdalite grave), aqueles que requerem tratamento mais intensivo da dor e aqueles com doença grave ou complicações.
Antiviral:
Atualmente o que se apresenta com melhor perfil de evidência de benefício é o tecovirimat.
Quando indicar?
- Aqueles com doença grave (por exemplo, doença hemorrágica, lesões confluentes, encefalite ou outras condições que requerem hospitalização).
- Aqueles em risco de doença grave (por exemplo, aqueles com menos de oito anos de idade; pessoas com história ou presença de dermatite atópica; pessoas com outras condições esfoliativas ativas da pele; grávidas ou amamentando; pacientes com complicações como infecção bacteriana secundária infecção, desidratação ou broncopneumonia; pacientes imunocomprometidos)
- Pacientes imunocomprometidos, de acordo com o CDC, geralmente incluem aqueles com infecção avançada por HIV-1 (por exemplo, contagem de CD4 <200 células/microL), leucemia, linfoma, malignidade generalizada, transplante de órgãos sólidos, terapia com agentes alquilantes, antimetabólitos, radiação, Inibidores do fator de necrose tumoral, corticosteroides em altas doses, ser um receptor com transplante de células-tronco hematopoiéticas <24 meses pós-transplante ou ≥24 meses, mas com doença enxerto versus hospedeiro ou recidiva da doença, ou ter uma doença autoimune com imunodeficiência como componente clínico.
- Pacientes com infecção em locais (por exemplo, boca, faringe, área anogenital) que geralmente estão associados a dor intensa ou podem resultar em sequelas, como cicatrizes ou estenoses.
- Pacientes com infecção do olho ou região ocular (por exemplo, pálpebras). Para esses pacientes, o uso off-label de colírios ou pomadas de trifluridina (ou vidarabina) pode ser usado em adição ao tecovirimat.
Isolamento
- No hospital: Esses pacientes devem ser triados para uma sala de atendimento de uso unico por paciente por vez, de preferência com banheiro separado. Não é necessário isolamento para aerossol, a não ser que seja realizado procedimentos com risco de aerolizaçao de secreçao de orofaringe.
- O profissional de saúde deve usar Equipamentos de Proteçao Padrão para contato e goticula (avental, luva de procedimento, máscara cirurgica e oculos).
- A sala deve ser higienizada conforme normas padrão.
- Ambiente Domiciliar: O paciente deve ser afastado de suas atividade e orientado a ficar em isolamento domiciliar e evitar contato com os outros membros da família. O isolamento deve ser mantido até que todas as crostas das lesões tenham caído e tenha ocorrido a reepitelização, que normalmente dura de 2 a 4 semanas.
Por Daniel Gustavo de Melo Gonçalves (residente Medicina de Emergência SES-DF)
InfoGráfico por Stéfanny Santos de Sousa, Interna Medicina UnB
Referências:
- Adler, Hugh et al. “Clinical features and management of human monkeypox: a retrospective observational study in the UK.” The Lancet. Infectious diseases vol. 22,8 (2022): 1153-1162. doi:10.1016/S1473-3099(22)00228-6
- Rizk, John G et al. “Prevention and Treatment of Monkeypox.” Drugs vol. 82,9 (2022): 957-963. doi:10.1007/s40265-022-01742-y
- McCollum AM, Damon IK. Human monkeypox. Clin Infect Dis. 2014 Jan;58(2):260-7. doi: 10.1093/cid/cit703. Epub 2013 Oct 24. Erratum in: Clin Infect Dis. 2014 Jun;58(12):1792. PMID: 24158414.
- Di Giulio, Daniel B, and Paul B Eckburg. “Human monkeypox: an emerging zoonosis.” The Lancet. Infectious diseases vol. 4,1 (2004): 15-25. doi:10.1016/s1473-3099(03)00856-9
- Jezek Z, Szczeniowski M, Paluku KM, Mutombo M, Grab B. Human monkeypox: confusion with chickenpox. Acta Trop. 1988 Dec;45(4):297-307. PMID: 2907258
Orientações Ministério da Saúde:
Fontes FOAMed:
- https://foamed.ebmedicine.net/podcast/monkeypox/
- https://litfl.com/monkeypox/
- Salim Rezaie, “Monkeypox…The Basics”, REBEL EM blog, May 26, 2022. Available at: https://rebelem.com/monkeypoxthe-basics/.
- https://www.stemlynsblog.org/monkeypox-has-arrived-is-the-panic-justified-st-emlyns/
- https://first10em.com/monkeypox/