
Existe uma angústia muito grande, e compreensível, sobre se os benefícios de uma intubação superam os riscos e as complicações desse procedimento na emergência em qualquer paciente, e é uma decisão ainda mais difícil no paciente idoso ou com doença crônica em estágio final.
Trazemos reflexões desse Artigo de Ouchi K. et al. “Managing Code Status Conversations for Seriously Ill Older Adults in Respiratory Failure”
Sugerimos a leitura completo do artigo, que traz bastante insight para nossa prática.
Para idosos com doenças graves e que limitam sua qualidade de vida, a decisão de indicar a intubação é complexa e emocional. Temos algumas das conversas mais difíceis da medicina ao atender idosos em falência respiratória aguda. Durante os últimos 6 meses de vida, 75% dos idosos visitam o departamento de emergência (DE). As visitas ao DE muitas vezes são pontos importantes nas trajetórias de doença desses pacientes, sinalizando uma taxa mais rápida de declínio.
A incidência de intubação em idosos dobrou entre 2001 e 2020. No entanto, a maioria dos pacientes não possui diretivas antecipadas ao se apresentarem no DE, o que significa que essas conversas são necessárias em um momento de crise para garantir que os pacientes recebam cuidados alinhados com seus objetivos.
Tomar essas decisões no DE é desafiador. Os emergencistas reconhecem que esse momento seja crucial a fim de fornecer cuidados em conformidade com os objetivos dos pacientes; no entanto, o ambiente onde o tempo é de extrema importância, a falta de relacionamento longitudinal com os pacientes e a instabilidade clínica aumentam ainda mais a complexidade dessas conversas.
CONHECER PROGNÓSTICOS É ESSENCIAL ANTES DO INÍCIO DE UMA CONVERSA SOBRE O PLANO DE TRATAMENTO
Para uma conversa eficaz e honesta, antes de mais nada, os Médicos Emergencistas devem compreender bem o prognóstico de pacientes idosos em estado crítico com IRpA, assim podem explorar o que é mais importante para o paciente.
- Mais de 70% dos idosos preferem qualidade de vida ao invés de prolongamento da vida
- Mais de 60% dos idosos consideram a incapacidade de “sair da cama” ou “depender de uma máquina de respiração para viver” como igual ou “pior do que a morte”
- A maioria (87%) dos idosos hospitalizados em estado grave relatam que prefeririam trocar um 1 ano, de uma expectativa de vida de 5 anos, para evitar morrer na UTI
Infelizmente, os desfechos após um intubação de pacientes idosos no DE não são tão favoráveis quanto se acredita.
- Um a cada 3 idosos morre no hospital após a intubação
- Entre os sobreviventes, mais de 80% serão liberados para lugares diferentes de suas casas (casas de repouso, asilos, etc)
Considerando o prognóstico e os prováveis desfechos funcionais, é muito importante que o emergencista tente determinar o que os pacientes consideraram como qualidade de vida aceitável.
ABORDAGEM PASSO A PASSO PARA CONVERSAS DE DEFINIÇÃO DE CUIDADOS INVASIVOS NA SALA DE EMERGÊNCIA
PASSO 1: ESTABELECER A URGÊNCIA E AVALIAR A COMPREENSÃO
“Eu gostaria que a situação fosse diferente. Seu [pai] está muito doente e precisamos decidir rapidamente o melhor tratamento para [ele]. O que vocês estão entendendo sobre o que aconteceu hoje?”
Descreva explicitamente a situação e construa uma relação clara. Perguntar aos acompanhantes o que sabem da situação permite que eles se expressem e que a conversa não se torne redundante.
PASSO 2: DAR MÁS NOTÍCIAS
Para pacientes idosos com doenças graves, a evolução de uma insuficiência respiratória para intubação é uma “má notícia”. Assim, para ajudar que o paciente ou o acompanhante compreenda a gravidade da situação, são necessários 2 passos:
a. Pedir permissão: “Sinto muito, mas tenho notícias difíceis. Podemos conversar sobre isso agora?” Pedir permissão para iniciar a conversa permite preparação emocional por parte do paciente e/ou do acompanhante. E ainda mais importante: dá uma sensação de controle em uma situação que pode parecer fora de controle.
b. Informar a notícia principal: “O seu [pai/mãe] está com muita dificuldade para respirar por causa da [pneumonia grave]. Com os sérios problemas de saúde que ele/ela tem, estou preocupado/a de que as coisas possam não evoluir bem, podendo, inclusive, acarretar na morte dele/dela.”
Usar frases como “Estou preocupado/a” permite que os médicos sejam francos sobre o prognóstico sem se distanciarem emocionalmente. Deve haver, por parte do emergencista, o reconhecimento de que as emoções podem se manifestar na forma de uma pergunta médica (por exemplo, “Que medicamentos e tratamentos vocês estão dando a ele/ela?”). Em vez de responder apenas cognitivamente (por exemplo, “O medicamento que usamos para pneumonia é…”), responda diretamente às emoções do paciente ou acompanhantes (por exemplo, “Posso imaginar que seja difícil ouvir isso”)
PASSO 3: TOMADA DE DECISÃO COMPARTILHADA
“Precisamos trabalhar juntos de forma rápida para chegarmos na melhor decisão de tratamento para ele.”
O alinhamento terapêutico é fundamental na construção da confiança medico-paciente (ou medico-acompanhante), sendo necessário para fazer a recomendação centrada no paciente. O alinhamento é cultivado usando declarações como “nós”, solicitando a opinião do paciente ou do acompanhante e respondendo às emoções do paciente ou do acompanhante.
PASSO 4: DEFINIÇÃO DO COMPORTAMENTO COGNITIVO BASAL DO PACIENTE
“Quais atividades eram realizadas diariamente por [ele] antes dessa doença?”
O estado de saúde do paciente antes do início da insuficiência respiratória aguda é necessário para informar o prognóstico funcional no melhor cenário possível.
PASSO 5: EXPLORAR OS VALORES E OBJETIVOS DO PACIENTE E EM SEGUIDA RESUMIR
“[Seu pai] já expressou desejos sobre o tipo de cuidados médicos que gostaria ou não gostaria de receber?”
“Como [ele] se sentiria se por causa desse tratamento ele se tornar incapaz de retornar às suas atividades favoritas ou de cuidar de si mesmo como costumava fazer?”
“Para [ele], que habilidades são importantes ao ponto de, caso perdê-las, perder o valor da vida?
“Quanto ele estaria disposto a passar pela possibilidade de ter mais tempo?”
“Tem algum estado de saúde que [ele] consideraria piores do que a morte?”
Pacientes valorizam de forma diferente cenários particulares (por exemplo, evitar certos estados de saúde). O objetivo de explorar os valores do paciente é compreender os desejos previamente expressos e o raciocínio por trás dessa tomada de decisão. É necessário determinar o que o paciente considera uma qualidade de vida aceitável. Na incerteza de valores prévios do paciente, algumas perguntas são necessárias: quanto mais ele estaria disposto a passar em busca da possibilidade de mais tempo?; ou que estados seriam considerados piores do que a morte?; ou qual a qualidade mínima de vida que o paciente consideraria aceitável?
PASSO 6: RESUMIR
Uma vez reconhecidos valores pessoais do paciente, os médicos podem correlacionar com o comportamento/funcionalidade basal do paciente e, a partir de então, reformular as informações de forma a refletir com precisão o manejo desejado pelo paciente.
“O que entendi é que o seu [pai] considera passar tempo com os seus netos a coisa mais importante, que ele tem estado muito cansado para fazer isso há algum tempo, e que ele consideraria inaceitável receber tratamentos que o deixem acamado. Estou correto?”
PASSO 7: FAÇA UMA RECOMENDAÇÃO
“Com base no que foi compartilhado comigo, recomendo:
- Tratamento intensivo focado no conforto; ou
- Tratamento intensivo focado na recuperação da doença.
Vamos usar todos os tratamentos médicos disponíveis que acreditamos que irão ajudá-lo a se recuperar dessa doença.
Isso significa:
- Realizar a recuperação do paciente sem tratamentos que o deixem mais desconfortável, fazendo tudo o que pudermos para garantir que ele esteja confortável e em paz; ou
- contar com o suporte intensivo, como ventilação mecânica, visando a recuperação do paciente, fazendo tudo o que pudermos para garantir que ele esteja o mais confortável possível.
Eu me preocupo que mesmo com cuidados máximos, o corpo dele não resista ao tratamento. As decisões referentes aos próximos dias serão tomadas por outra equipe que estará responsável pelo tratamento dele. Isso parece bom para você?”
Assim, para que se possa fazer uma recomendação empática e alinhada com os objetivos do paciente, deve haver uma junção entre a funcionalidade basal, os valores e o prognóstico do paciente. Sempre auto-questione se, no melhor cenário possível, esse paciente seria capaz de alcançar a qualidade mínima de vida que valeria a pena viver para ele após a intubação ou uma internação na UTI. Se a resposta for claramente não, ou se o resultado provável seria considerado pior do que a morte pelo paciente, os emergencistas podem, com confiança, focar o tratamento em medidas de conforto para o paciente. Caso a resposta seja incerta, (por exemplo, o acompanhante pode não saber qual seria a qualidade mínima de vida que o paciente consideraria aceitável) ou caso o resultado provável seja uma qualidade de vida aceitável para o paciente, os emergencistas devem focar o tratamento na recuperação da doença. Enfatize o que será feito (por exemplo, focar em garantir o conforto do paciente). Considere explicar por que você não recomendaria certas terapias no contexto da função basal e dos valores.
ARMADILHAS: ABORDAGENS PROBLEMÁTICAS
Na ausência de treinamento formal voltado para conversas sobre o cuidado de pacientes paliativos, muitos médicos simplificam em perguntas binárias (por exemplo, “Você gostaria que fizéssemos tudo para seu ente querido se o coração parasse?”). Tais perguntas, além de parecerem impossíveis de se responder em caso agudos que exigem medidas extremas, podem traumatizar pacientes e acompanhantes. Classificamos os padrões de abordagens de comunicação bem-intencionadas, porém clinicamente ineficazes, da seguinte forma, evitem:
- Detalhista: “Se o coração parar, você gostaria que abríssemos as costelas com massagem cardíacas e colocássemos um tubo de respiração nos pulmões?”
É tendência natural dos médicos para garantir que o paciente ou o acompanhante possa visualizar como são as intervenções médicas mais invasivas. Além de aumentar a ansiedade, tal tipo de abordagem desfoca dos objetivos principais relacionados à qualidade de vida, o que, em última análise, prejudica sua tomada de decisão. - Informador: “A chance de sobreviver e voltar para casa é de 25%.”
Treinados no consentimento informado, os médicos querem garantir que os pacientes e acompanhantes compreendam as informações científicas sobre as chances. Explicar a probabilidade de sobrevivência distrai do foco da conversa na qualidade de vida desejada pelo paciente. Além disso, os seres humanos interpretam erroneamente a probabilidade em circunstâncias altamente emocionais. - Pressionador de decisão: “Quero ter certeza de que você entende que se pararmos agora, seu pai vai morrer; é isso que você quer?”
As emoções atingem o ápice quando somos pressionados a tomar decisões. Queremos que o paciente ou acompanhante assuma a responsabilidade por nossas ações ou omissões. Na ausência de treinamento formal, muitos médicos ainda usam essa abordagem na conversa, repassando para gerações futuras de médicos.
OBS.: Este é um resumo baseado no artigo, que por sua vez é construído com base na cultura americana, é preciso cautela na hora de transferi-lo para nossa prática.
Por Stephanie Chater Mitri, R2 Medicina de Emergência SES/DF
Revisão: Jule R O G Santos