Planos de Intubação

Verbalizar seus planos para cada laringoscopia pode salvar seu paciente. Porém não basta recitar frases decoradas, é preciso compreender e ter intenção em cada ação e individualizar o plano para cada paciente. 

Você indica a intubação e então a preparação começa: a escolha da melhor estratégia de pre-oxigenação.
A avaliação hemodinâmica e distúrbios metabólicos associados.
Avaliação anatomica para organizar expectativas e decisão sobre acionar ajuda mais precoce.
A escolha do melhor indutor e do melhor relaxante muscular. O melhor posicionamento do paciente.

Assim que a equipe faz a medicação, o paciente se encontra entregue aos seus cuidados, e a partir desse momento, você é o responsável por garantir a próxima ventilação e oxigenação dele. Ou seja, é um procedimento de alto risco e de grande peso psicológico. E você já estudou várias vezes os algoritmos de manejo da via aérea, já leu sobre o fluxograma da Via Aérea Difícil e da via aérea falha. Você sabe tudo isso.  Mesmo assim, pode ser muito difícil recorrer a todos aqueles conhecimentos e evitar o erro de fixação numa situação de crise.

Você sabe que caso não consiga intubar, você pode passar uma mascara laringea e sabe também que em caso de via aérea falha, num paciente que vc não consegue oxigenar você deve realizar uma Crico cirurgia… mas quando é esse momento exato?? 

Você está lá, tentando intubar um paciente rebaixado por um AVCh, você está olhando na boca do paciente, não está conseguindo passar o tubo, alguém está gritando que a saturação está 80%, 79%, 78%, 77%…  Vários monitores estão apitando… Você está nervoso, ansioso, taquicardicado e preocupado… Então você faz mais uma tentativa, tudo o que você quer é passar logo o tubo, é só nisso que você pensa, achar as cordas vocais e passar o tubo a qualquer custo. E o custo pode ser, estabilidade hemodinâmica, piora da perfusão, piora metabólica, perda de neurônios (que são irreversíveis) e risco de arritmia e parada cardíaca… Bem… talvez, passar o tubo a qualquer custo, não seja o ideal…

Como evitar isso?

Para isso, seguindo conselhos de vários Médicos Emergencistas competentes pelo mundo, seguimos o  seguinte hábito no nosso serviço:

Passar os Planos para Cada Laringoscopia em voz alta para toda equipe

Tudo preparado (incluindo as drogas de sedação contínua), o intubador verbaliza:

  • Pessoal, todos prontos? Vou passar meus planos: primeiro a medicação, Mariana você vai fazer o etomidato direto em bolus, em seguida o rocuronio em bolus e então pode lavar a via. Andre, você vai ficar responsável por avaliar a saturação. Se a saturação chegar a 90% eu quero que você me avise. Andressa, você vai ser minha assistente, fica aqui do meu lado direito. Vou pedir pra você me passar o Bougie e depois passar o tubo. Também vou pedir pra você me ajudar com o posicionamento do paciente, abertura lateral da boca, e mobilização externa da laringe se precisar. Bianca você está responsável pelo ventilador mecanico, e me ajudar aqui com a ventilação e o oxigênio. Meu plano é o seguinte: eu vou fazer laringoscopia direta, e tentar intubar com o Bougie. Caso eu não consiga E a saturação chegue em 90% vou pedir pra vocês me avisarem (no caso Andre está responsável) e então vamos começar o resgate com a guedel, a canula nasofaringe e a BVM. Caso não funcione, ou seja não tiver expansão torácica e a saturação continuar caindo vertiginosamente, vamos passar para Mascara Laringea, caso não funcione, ou seja não tenha movimento torácica e a saturação continuar caindo vertiginosamente, a Andressa que está aqui a minha direita ira realizar a Crico cirúrgica. Todos esses materiais estão preparados? Vocês entenderam, alguém tem alguma dúvida? Então, podemos começar.

É importante que cada plano seja intencional e adaptado para cada paciente. Não adianta falar por falar. (Por exemplo: num paciente com muita barba, talvez o primeiro resgate já deve ser a máscara laringea. Ou outro plano para melhorar a vedação.)

E também que cada pessoa da equipe entenda bem e saiba realizar sua tarefa. O Assistente sabe o que é como é usado o Bougie? Sabe realizar uma crico cirúrgica? A equipe sabe o que é BVM? Etc.

O que é Resgate?

É quando o paciente está em risco, e depende de você para resgatá-lo… tipo um super-herói sabe… ok. Sorry. O paciente está em apneia induzido pelas medicações que você indicou (que é necessário para garantir a tentativa de sucesso na primeira tentativa), mas você não conseguiu intubar, e a saturação está caindo. Aqui nós usamos o corte de 90% de saturação, porque depois disso, a saturação cai cada vez mais rápida. Então você precisa ventilar ativamente seu paciente (empurrar oxigênio para dentro do pulmão) para garantir que ele seja novamente oxigenado e saturação volte a subir, tirando ele do risco (resgatando)…  Não adianta só colocar a máscara não-reinalante, é precisa empurrar o ar (fazer pressão positiva). Então geralmente começarmos com a BVM (ambu) Passamos a Guedel e quando possível uma cânula nasofaringea, acoplamos bem a mascara da BVM no rosto do paciente, sempre com no mínimo duas pessoas, o intubador foca na vedação e outra pessoa ventila a bolsa, com calma, e consistência. A primeira coisa que vamos observar é se está acontecendo expansibilidade torácica com cada ventilação. Se tiver um bom capnografo vc já tem um Feedback imediato. E por fim observamos a oxigenação, com muita calma lembrando que o oxímetro tem um delay. Se não ventilar e a saturação não subir, e continuar caindo rápido, então passamos para o próximo resgate.

Capnografo acoplado na BVM para avaliar a qualidade da ventilação

Máscara laringea: lembrar de deixar SEMPRE separado o tamanho ideal para o paciente e lá do seu lado. Não se sinta confortável por ter mascara laringea na farmácia. Não é tão comum precisar, e se vc acomodar vai achar que é raridade, mas quando você precisar, o paciente pode morrer ou ficar com sequelas graves por causa de 5 ou 10minutos gastos para alguém ir buscar a mascara.

Otimização do posicionamento da Máscara Laringea

Da mesma, para avaliar se está funcionando,  observamos a movimentação da caixa torácica, capnografia e saturação.

Por fim, quando é que eu vou fazer a Crico?

Eu percebo que durante a simulação, por vezes os residentes tendem a recorrer muito rápido a Crico cirúrgica. Muitos vezes pulando a avaliação ideal da qualidade da ventilação do resgate. Primeiro, é preciso treinar o pensamento para avaliar de forma sistemática a qualidade da ventilação com a BVM (estou usando Guedel? O tamanho é adequado? Está bem posicionado sem obstrução da língua? A mascara está bem acoplada e a vedação está boa? Estou elevando bem e o suficiente a mandíbula do paciente? a BVM está funcionando?) e depois com a ML (está bem posicionada centrada? É o tamanho adequado? Está vazando ar ao redor dela?)

Já na vida real, tomar essa decisão é muito difícil. Primeiro que é um procedimento que não estamos habituados, via aérea anatomicamente difícil real é bem rara. E quanto mais experiencia com laringoscopia, menor a chance de precisar realizar Crico. Porém, ela pode acontecer: Via Aérea Difícil naquela situação: independente se foi mal posicionamento ou realmente anatômica difícil, o que aconteceu é que você não conseguiu incubar, não conseguiu resgatar e o paciente está em risco naquele momento). Pode acontecer com qualquer um. Então esteja preparado sempre. Treine seu pensamento. Treine os movimentos. Tenha os materiais mínimos sempre disponíveis. Treine sua equipe.

Quando você deve realizar a Crico cirúrgica?

Na situação que você não conseguiu intubar, não consegue oxigenar, e a saturação está caindo vertiginosamente. Ou seja, o resgate foi falho. 
Faça o corte! Idealmente, não espere o paciente parar para isso!

Infelizmente aqui não tem um número ideal de saturação, é realmente uma avaliação difícil e individual, por isso, tão importante treinar o mindset.

Como ser o melhor possível?

Algumas vezes falamos os planos, mas se não houver intenção, na hora da ansiedade, da crise, você não vai executar o seu próprio plano, vai deixar todo mundo confuso e muitas vezes pode continuar deixando o paciente em risco. Ou seja, não adianta falar por falar, de forma decorada.

É preciso ter intenção. É preciso entender de forma clara o que cada etapa desse plano vai exigir de você. E se comprometer realmente com ele.

Outro detalhe é esse momento: você está olhando para a glote, e alguém fala 90%! Qual a melhor opção? Deixar tudo de lado e iniciar o resgate ou fazer uma tentativa? – Considerando que a melhor forma de resgatar o paciente é com o tubo na traqueia, se você ainda não fez nenhuma tentativa, eu faria a primeira tentativa, já me preparando para o resgate em seguida se não conseguisse intubar. Eu faço um acordo mental comigo: é UMA chance!

Um adendo é que esse plano é para cada tentativa de laringoscopia para a situação do “E SE TUDO DER ERRADO…” É quando você não tem tempo para pensar. Porque a saturação vai caindo rápido e cada vez mais rápido. É para você se preparar para o resgate e para a crico.
É diferente de uma situação em que, você não conseguiu intubar, MAS o resgate funcionou! Daí, você tem tempo, o paciente não está em risco, porque você está conseguindo oxigená-lo. Então você tem um tempo relativo para fazer novo plano e nova avaliação. Reposicioncar. Usar o videolaringo. Chamar o anestesista. Usar o fibroscópio. Intubação retrógrada. 
Você tem tempo. 

Não se deve confundir essas duas situações na hora de passar os planos, para que o plano seja claro, preciso e rápido. E que todo mundo entenda. 

Outro benefício de passar os planos para cada laringoscopia em voz alta para sua equipe é compartilhar responsabilidade e dar poder para que a sua equipe atue em prol do paciente nos momentos críticos e te ajudar a sair do erro de fixação.

Já aconteceu comigo algumas vezes, a saturação estava em 90% e caindo. Alguém avisou, mas não escutei, pq estava fixada nas cordas vocais, esquecendo todo o resto do paciente, parecia tão perto, mas não conseguia passar o tubo, dobrava, mirava, mas não ia, até que alguém falou num tom mais firme: Dra, a senhora falou que ia começar o resgate quando a saturação caísse abaixo de 90% e agora está 83%!
Despertei, e iniciei o resgate.
Nota 10 para a equipe e o trabalho multidisciplinar!!

Nossa equipe já entende tão bem a necessidade de cada etapa, que tudo é organizado e preparado de forma orgânica. E eu sempre me sinto fazendo o melhor possível por nossos pacientes!

Invista em você, no seu treinamento, treine e empodere sua equipe!

Passe os planos!

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Um comentário em “Planos de Intubação

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