Coronavírus – COVID-19 e a triagem do paciente sem gravidade

Você recebe um paciente, 55anos, masculino, apresentando coriza, mal estar e tosse há 2 dias. Hoje procura o posto de atendimento pois está preocupado com o tal do Coronavírus. Ele é hipertenso e diabético, ex-tabagista.
Sinais vitais: PA: 145x68mmHg, FC: 88bpm, Sat: 95% em AA, FR: 18irpm, glicemia: 145mg/dl

Você pode liberar esse paciente com segurança para isolamento domiciliar?

O que é o novo coronavírus?

Em Dezembro de 2029 foi descoberto em Wuhan, China, uma estranha pneumonia causada por um novo vírus.  COVID-19 é o nome da doença causada pelo virus SARS-CoV-2, um coronavirus, como os virus causadores da SARS e MERS. (1) É uma infecção respiratória, apresentando sintomas do trato respiratório alto e baixo como congestão nasal, espirros, tosse seca, dispneia, mialgia e febre, podendo evoluir com pneumonia grave, insuficiência respiratória, injúria miocárdica, injuria renal e morte. (2,3, 4) Alguns pacientes apresentam sintomas do trato digestivo associado, e uma pequena fração dos pacientes podem apresentar apenas sintomas digestivos (potencial de evoluir com gravidade).


COVID-19 (SARS-CoV-2)MERS(Middle East Respiratory Syndrome)SARS(Severe acute respiratory Syndrome)Gripe sazonal(Tipos e severidade variam de ano para ano)Resfriado comum(causado por coronavirus)
OrigemDezembro de 2019; Wuhan, China2012; Saudi Arabia2002; Sul da ChinaVárias linhagens mostrando mudança antigênica cada anoQuatro linhas de vírus responsáveis por aproximadamente 20% dos resfriados
TrasmissãoGotículas respiratórias, contato próximo, contato com animais infectadosContato próximo com camelos infectados ou leite ou carne de camelo infectado. Transmissão inter-humana limitada.Imagina-se que originou dos morcegos e civetas. Transmissão inter-humana através de contato próximoContato humano próximo, superfícies infectadas.Contato humano próximo, superfícies infectadas.
Casos>179.000 pelo mundo em 16 de Março de 2020; >7.000 mortes2.494 casos confirmados; 858 mortes8.098 casos; 774 mortes35 milhões em 2019-2020; 20.000 mortes(Estados Unidos)Milhões de casos por ano 
Mortalidade2%-4%34%10%0.1%Perto de zero
Tradução livre de: Table: Comparison of COVID-19 with SARS, MERS, Seasonal Flu, and Common Cold
This table is referenced in:
Novel Coronavirus 2019 (COVID-19)

Desde quando a OMS declarou estado de pandemia, ninguém fala em outra coisa. A nossa rotina mudou, o nosso estilo de vida foi confrontando e uma nova perspectiva se abre ao horizonte.

Fontes confiáveis de conhecimento

Nesse momento está muito difícil acompanhar as atualizações científicas, recebemos artigos, notícias e fakenews o tempo inteiro, é tanta coisa para ler que parece desesperador começar… Ainda sinto esse sufocamente pelo excesso de informação… Essas foram minhas medidas:

– Escolha fontes confiáveis
– Sendo líder, selecione muito bem os artigos que vai compartilhar, selecione o período do dia para compartilhar e o faça apenas uma vez por dia no máximo.
– Leia antes de compartilhar.
– Sendo profissional da saúde é nossa obrigação NÃO compartilhar fakenews! Nem que seja por espanto.
– Ser realista de quantos artigos consigo ler por dia.
– Mantive meu dia de folga semanal: nada de medicina por 24h!!

Fontes que recomendo:

Para começar:

– Livro texto do EMRAP: https://www.emrap.org/corependium/chapter/rec906m1mD6SRH9np/Novel-Coronavirus-2019-COVID-19?MainSearch=%22covid%22&SearchType=%22text%22
Informe do site EBM: https://www.ebmedicine.net/topics/infectious-disease/COVID-19?utm_source=engagement&utm_medium=email&utm_campaign=COVID19&__s=zpzamu9xruvp3dmmfher
REBELEM: https://rebelem.com/rebel-covid19/ 

Para pacientes graves:

IBCC: https://emcrit.org/ibcc/covid19/ 

Para ir além:

ACEP: https://www.acep.org/resource/dynamic/79753/78842 
CDC: https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-nCoV/hcp/index.html
The Lancet: https://www.thelancet.com/coronavirus?dgcid=kr_pop-up_tlcoronavirus20 

Para evidências:

– Oxford COVID-10 Evidence Service: https://www.cebm.net/covid-19/ 
– Fisrt10EM: https://first10em.com 

Via Aérea:

– AIME: http://www.aimeairway.ca 
– EMCRIT: https://emcrit.org/emcrit/covid-airway-management/ 

No Brasil:

Ministério da saúde: https://coronavirus.saude.gov.br 
Manole Ensino: https://www.manole.com.br/minicurso-covid/p?_ga=2.247144580.1829700876.1585664791-1740779030.1585664791 
– Recomendações do seu hospital

Dados Mundiais:

Johns Hopkins: https://coronavirus.jhu.edu/map.html 

https://www.arcgis.com/apps/opsdashboard/index.html#/bda7594740fd40299423467b48e9ecf6

Não precisamos re-inventar a roda, tem muita gente produzindo conteúdo de qualidade, podemos focar em separar esses conteúdos e disponibilizá-los com sabedoria. 

Quadro clínico

Típico: Paciente masculino de 65 anos, esteve em contato recente com uma pessoa que testou positivo para COVID-19, se apresenta com tosse, febre e dispnéia. Ele tem antecedentes de DPOC. Está saturando em ar ambiente 85%, e ao exame apresenta sibilos e creptos. 

Sintomas mais comuns:

  • Tosse 68%
  • Febre 44%
  • Cansaço 38%
  • Tosse produtiva 34%
  • Dispneia 19% 
  • Dor de garganta 14% 
  • Cefaléia 14%

O exame fisico é bem inespecífico como as doenças virais comuns. 

O Diagnostico diferencial envolve 

  • Resfriado comum
  • Gripe
  • Virose inespecifica
  • Sepse de origem não viral
  • ICC e ou edema pulmonar

Triagem e testagem

Por que estamos considerando todo mundo com sintomas respiratório como potencial COVID-19?

Como esse é um vírus novo entre humanos, toda a população mundial é suscetível, e não temos vacinas, logo muita gente está ficando infectado ao mesmo tempo, nessa situação para ajudar os sistemas de saúde a aguentar tanto paciente, precisamos conter a transmissão o máximo possível, isolando os pacientes com sintomas respiratório. Estamos nas medidas de mitigação. Espera-se que com o tempo, voltaremos a lidar com os diagnósticos diferencias de forma mais precisa.

Fisiopatologia

O Vírus é um betacoronavirus RNA envelopado que se liga ao receptor enzima conversora da angiotensina 2 (ECA2), que é expressa em vários tipos celulares incluindo células alveolares tipo II, assim como em células do intestino, rins, coração e vasos.

O período de incubação é de 1 a 14 dias, com média entre 4 a 5 dias. (5)

Inicialmente temos a fase de replicação viral, nos primeiros 2 a 11 dias da infeção, e então a resposta imune inata ocorre, mas essa resposta não consegue conter o vírus. Nem todos os pacientes apresentam sintomas e mesmo assim podem causar a transmissão da infecção, não temos certeza da porcentagem. Nessa fase os sintomas são relativamente leves, e ocorrem devido ao efeito citopático viral direto e da resposta imune inata.

A resposta imune adaptava acaba entrando em ação. Neste momento há queda dos títulos virais, também podendo aumentar os níveis de citocina inflamatória e levar a danos teciduais, podendo causar deterioração clínica. Alguns pacientes podem evoluir com uma tempestade de citocinas, o que causa dano alveolar por resposta inflamatória exarcebada. (6)

A patologia primária da COVID-19, tem sido associada a SDRA(Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo), caracterizada por dano alveolar difuso, incluindo membranas hialina. Porém, apesar de histologicamente apresentar lesões pulmonares como na SARS e MERS, nestas últimas clinicamente os pacientes se apresentavam com pulmões mais “duros”, já no COVID-19 parece haver uma melhor complacência pulmonar, demonstrando que ainda precisamos de mais investigação para compreender a fisiopatologia dessa doença para talvez ter mos melhores estratégias de tratamento. (6)

Os sintomas clínicos iniciais não são necessariamente preditivos de deterioração futura.

Avaliação e decisão clínica

A grande maioria dos pacientes deve evoluir bem, com sintomas mínimos e melhora completa 81% (7). Mas existe uma parcela desses pacientes que tem um risco aumentado de evoluir com gravidade e necessidade de oxigênioterapia e internação e as vezes ventilação mecanica e suporte em terapia intensiva, com risco de evoluir com sequela ou óbito.

Temos algumas características clínicas e laboratoriais que parece podem nos ajudar a encontrar esses pacientes.

Esses são os pacientes mais velhos, com comorbidades como HAS e DM, e doenças imunosupressoras. Pacientes que apresentam linfopenia, aumento de D-Dmiro, DHL, tropnina e alteração da função renal. (8,9)

Em outro texto, vamos abordar o manejo dos pacientes graves.

Nos últimos dias tenho me concentrado a estudar, tentando criar um fluxo, na tentativa de triar de forma mais precisa possível os pacientes que na consulta não se apresentam instáveis, mas podem evoluir com gravidade. Eu sei, uma missão quase impossível… Mas não sou só eu!

Aqui Josh Farkas, racionaliza a necessidade dessa ferramenta: https://emcrit.org/pulmcrit/csi/ Tomara que tenhamos bons estudos. Aqui ele está focado nos pacientes internados, e suas possíveis evoluções.

Qual o objetivo da triagem?

  1. Tirar de circulação os pacientes não graves sintomáticos para diminuir risco de contagio principalmente dos grupos de risco, informando os pacientes com atenção aos sinais de alerta indicando retorno imediato ao DE.
  2. Encontrar os pacientes com risco de evoluir com gravidade para uma investigação mais acurada, principalmente a partir do 5 dia de sintomas. 
  3. Estabilizar os pacientes que já se apresentem com alteração respiratória, tentando decisão acertada quanto ao suporte de oxigenioterapia e indicação de intubação e modos da ventilação mecânica.

Voltamos ao nosso paciente:

Paciente, 55anos, masculino, apresentando coriza, mal estar e tosse há 2 dias. Hoje procura o posto de atendimento pois está preocupado com o tal do Coronavírus. Ele é hipertenso e diabético, ex-tabagista.
Sinais vitais: PA: 145x68mmHg, FC: 88bpm, Sat: 95% em AA, FR: 18irpm, glicemia: 145mg/dl
Considerando o status epidemiologico que estamos, apesar de sintomas tão inespecificos para várias doenças do trato respiratório e outros viros, devemos considerar esse paciente como COVID-19.

O tratamento só muda em casos graves, onde há necessidade de suporte por oxigenioterapia e ou ventilação mecanica. Não temos terapia especificas aprovadas ainda. Logo, esse paciente não se encaixa nesse quadro.

Para esses pacientes podemos considerar a realização de TC de tórax, para ver se já temos lesão pulmonar e alguns exames laboratoriais como hemograma para avaliar linfopenia, DHL, PCR, ureia, creatinina e outros conforme orientações da sua instituição, que nos ajude a guiar quanto a gravidade, como foi mostrados em alguns estudos.(9) Associado a isso você usar escores de gravidade como o PSI-PORT, que já foi validado para pneumonia de causa viral. Temos alguns escores de gravidade em estudo para o COVID-19, mas ainda sem validação https://www.mdcalc.com/covid-19#nnt .

Sugestão de fluxograma

Em caso de alteração da TC de toráx + alterações laboratoriais, você pode considerar internar esse paciente para uma avaliação mais rigorosa.
Em caso de exames sem alteração você pode liberá-lo com orientações de retorno em caso de sinais de piora, ou para reavaliação em 24 a 48h, em caso de persistência dos sintomas.
É muito importante um bom relacionamento com o paciente, explicar com serenidade e calma, e ter certeza de que ele entenda as orientações.
No final, é importante individualizar o cuidado, pesando o risco beneficio da internação para o paciente, para a comunidade e para o sistema de saúde.

Uma outra alternativa, é ter um serviço de telemedicina para monitorar diariamente estes pacientes, o que traz segurança para a tomada de decisão do médico.

Referências:

(1) Protocolo de Manejo Clínico para o Novo Coronavirus (2019-nCov), Ministério da Saúde, janeiro, 2020. https://coronavirus.saude.gov.br 

(2) Huang C, Wang Y, Li X, et al. Clinical features of patients infected with 2019 novel coronavirus in Wuhan, China [published correction appears in Lancet. 2020 Jan 30;:]. Lancet. 2020;395(10223):497–506. doi:10.1016/S0140-6736(20)30183-5 

(3) Guan WJ, Ni ZY, Hu Y, et al. Clinical Characteristics of Coronavirus Disease 2019 in China [published online ahead of print, 2020 Feb 28]. N Engl J Med. 2020;10.1056/NEJMoa2002032. doi:10.1056/NEJMoa2002032

(4) Wang D, Hu B, Hu C, et al. Clinical Characteristics of 138 Hospitalized Patients With 2019 Novel Coronavirus-Infected Pneumonia in Wuhan, China [published online ahead of print, 2020 Feb 7]. JAMA. 2020;e201585. doi:10.1001/jama.2020.1585 

(5) Mason Jessica, Herbert Mel. Novel Coronavirus 2019 (COVID-19). In: Mattu A and Swadron S, ed. CorePendium. Burbank, CA: CorePendium, LLC. https://www.emrap.org/corependium/chapter/rec906m1mD6SRH9np/Novel-Coronavirus-2019-COVID-19. Updated April 2, 2020. Accessed April 2, 2020. 

(6) COVID-19, The Internet Book of Critical Care, March 2, 2020 by Josh Farkas

(7) Wu Z, McGoogan JM. Characteristics of and Important Lessons From the Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Outbreak in China: Summary of a Report of 72 314 Cases From the Chinese Center for Disease Control and Prevention [published online ahead of print, 2020 Feb 24]. JAMA. 2020;10.1001/jama.2020.2648. doi:10.1001/jama.2020.2648

(8) Ruan Q, Yang K, Wang W, Jiang L, Song J. Clinical predictors of mortality due to COVID-19 based on an analysis of data of 150 patients from Wuhan, China [published online ahead of print, 2020 Mar 3]. Intensive Care Med. 2020;1–3. doi:10.1007/s00134-020-05991-x

(9) Zhou F, Yu T, Du R, et al. Clinical course and risk factors for mortality of adult inpatients with COVID-19 in Wuhan, China: a retrospective cohort study [published correction appears in Lancet. 2020 Mar 28;395(10229):1038] [published correction appears in Lancet. 2020 Mar 28;395(10229):1038]. Lancet. 2020;395(10229):1054–1062. doi:10.1016/S0140-6736(20)30566-3

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