Chega para você um paciente de 48 anos, trazido por familiares, com quadro de rebaixamento do nível de consciência há 1 hora.
Monitorização:
FC: 135bpm (ritmo sinusal), PA 80x64mmHg, FR: 28irpm, Sat 95% em AA, Tax.: 37C
Glicemia: 98mg/dl
A: pérvia B: taquipneico sem RA C: hipotenso, TEC> prolongado, IC: 1.5, Pressão de Pulso 16mmHg
- 2 Acessos periféricos (coletado sangue para exames laboratoriais)
- Iniciado hidratação com NaCl0.9% 500ml em cada acesso
HDA: Paciente 38 anos, previamente HAS, com diagnóstico de Dengue há 5 dias, apresentando febre diária. Última avaliação médica há 2 dias, hemograma “normal”, com orientações para hidratação oral e repouso domiciliar. Hoje evolui com dispnéia, muito mal estar geral, dores e não conseguia mais se levantar, sendo levado ao hospital sem responder aos chamados.
AP: HAS, em uso de losartana, sem alergias
Sem cirurgias prévias, mora com esposa e filhos, uso social de álcool e cigarro
Ao exame: GEG, desidratado 2+, AAA
Exantema difuso, sem outras lesões e sem sangramentos aparentes
AR: MV+ simétrico sem RA
ACV: 2bnf sem sopro
Abdome: plano, sem massas palpáveis, sem sinais de peritonite
MMII: sem edema
POCUS:
Pulmonar: algumas linhas B difusas, derrame pleural leve bilateral
Cardíaco: coração hiperdinâmica, sem derrame pericárdico
V.CAVA: fina, colabando
ABDOMEM: discreto líquido livre
Aorta: sem alterações
HD: Choque – Hipovolêmico (Sec Dengue Grave)
CD: Hidratação guiada por metas (avaliar hematócrito, coagulograma e resposta terapêutica)
Vigilância para sangramentos (mucosa e TGI)
Solicitar exames laboratoriais, principalmente Hemograma Completo, Proteínas totais e frações, TAP, TTPa, TGO, TGP, fibrinogênio, gasometria venosa, eletrólitos, função renal
Sinalizar laboratório para coleta de hematócrito com frequência inicialmente
Encaminhar para UTI

Tratamento do Choque da Dengue Grave!
- O foco do tratamento da Dengue Grave é reverter a hipoperfusão causada pelo extravasamento de plasma secundário ao aumento da permeabilidade vascular!
- O tratamento vai seguir a avaliação do estado hemodinâmico(perfusão) e o hematócrito! – O valor das plaquetas tem uma função maior como um guia de gravidade!
Valores de Referência do Hematócrito: Homem 40 a 50%, Mulher 35 a 45%
Sempre importante ter o valor basal do hematócrito de cada paciente!
Em casos leves a hidratação oral adequada é suficiente para reverter o quadro. (Tratamentos grupos B e C – verificar protocolo do MS)
Administração de fluidos endovenoso é essencial em pacientes com perdas intravascular e repercussão hemodinâmica (sinais de alarme + hipotensão). Já em pacientes com sangramentos significativos ou diminuição do hematócrito com piora da perfusão, a transfusão sanguínea deve ser indicada. Portanto a avaliação do hematócrito é essencial antes e deve ser interpretada com cautela após o início do tratamento, pois um paciente com choque que melhora o hematócrito após o início da hidratação, mas que tem piora do choque/hipoperfusão, deve ser investigado para sangramentos.
Os protocolos de tratamento do choque foram desenvolvidos pela OMS, mas todo tratamento sempre deve ser individualizado com cautela!
Paciente com Choque, pressão de pulso diminuída (PAS – PAD < 20mmHg), hipotensão:
- Iniciar hidratação com cristalóide 10ml/Kg por 1 a 2 horas (Paciente 80Kg – 800ml em 1 hora!)
- Checar hematócrito a cada 4 a 6 horas (se sangramento a cada 2horas)
- Monitorar sinais vitais e balanço hídrico
Após 1 hora:
Se houver melhora: manter monitorização por pelo menos 24 a 48h, esses pacientes podem ter labilidade clínica e voltar a ter episódios de hipotensão/hipoperfusão que devem ser tratadas com um novo ciclo
Plano de recuperação: Reduza a fluidoterapia em etapas decrescentes
- Oferte cristaloides:
- Adultos: 200 a 250ml/h – por 2 horas
- 120 a 150ml/h – por 6 horas
- 80 a 100ml/h – por 12horas
- 40ml/h – 6 horas
Após 1 hora: SEM melhora clínica!
Hematócrito não mudou ou diminuiu
- Investigue sangramentos
Hemorragia
- Sangue total equivalente ao sangramento ou Concentrados de hemácias, com cautela em pacientes hipervolêmicos: 10 a 15ml/kg/dose
- Repita o hematócrito periodicamente
- Dose TAP, TTPa, fibrinogênio, plaqueta para guiar transfusões mais individualizadas
- Na presença de coagulopatias avaliar necessidade de uso de plasma fresco (10 ml/kg), vitamina K endovenosa e crioprecipitado (1 U para cada 5-10 kg).
- Transfunda plaquetas apenas se sangramentos refratários as medidas anteriores e presença de trombocitopenia (independente do valor)
- Se melhora seguir plano de recuperação
Após 1 hora: SEM melhora clínica!
Hematócrito aumentou
- Considere solução coloide sintéticos 500ml/h por 1 a duas horas
- Na falta do coloide, utiliza albumina (MS)(1), albumina 0,5-1 g/kg); preparar solução de albumina a 5% (para cada 100 ml desta solução, usar 25 ml de albumina a 20% e 75 ml de SF a 0,9%)
- Em caso de piora, considerar associar droga vasoativa como noradrenalina e manter ressuscitação volêmica e monitorização para sangramentos
- Se melhora seguir plano de recuperação
Texto base: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/pmid/38263966/
Dengue Grave
A dengue é uma doença autolimitada com um amplo espectro clínico que varia de manifestações leves a graves. Aproximadamente 75% a 80% das pessoas infectadas são assintomáticas, enquanto 5% podem desenvolver doença grave.
- Nesse texto iremos abordar apenas os poucos casos de Dengue que evoluiu com complicações graves. Para manejo dos casos mais comuns e evolução autolimitada ler Protocolo do Ministério da Saúde (MS), linkado abaixo.
Fisiopatologia da Dengue
O vírus
O vírus da dengue (DENV) é um Flavivírus pertencente à família Flaviviridae. Possui quatro sorotipos (DENV 1–4) com repercussões humanas e um quinto sorotipo (DENV5), descrito pela primeira vez em 2007, restrito ao ciclo silvático.
A infecção
Durante a alimentação de um mosquito fêmea infectado, o DENV é inoculado na pele e introduzido na corrente sanguínea. Uma vez na pele, o vírus infecta várias células do sistema imunológico, como macrófagos, células dendríticas e células de Langerhans. Essas células infectadas migram para os gânglios linfáticos, onde entram em contato com novas células e iniciam novas infecções, levando à viremia.
O período de incubação intrínseco do DENV – o tempo entre a picada do mosquito e o início dos sintomas – é tipicamente de 3 a 10 dias.
Após a endocitose se inicia uma série de reações que induzem uma resposta inflamatória por citocinas. Esses achados correspondem à primeira fase clínica da infecção por dengue, conhecida como fase febril. Após essa fase, o paciente evolui para uma fase crítica, caracterizada pelo aumento da permeabilidade vascular, antes de atingir a fase de convalescência.
Mecanismo da infecção grave
Tempestade de citocinas
O fator mais significativo responsável pela forma grave da Dengue é o Fenômeno da Potencialização Dependente de Anticorpos (ADE). Após a infecção primária, uma imunidade de longo prazo contra o sorotipo responsável pela infecção (imunidade homotípica) persiste; enquanto isso, um curto período de proteção cruzada contra outro sorotipo (imunidade heterotípica) está presente. Posteriormente, anticorpos neutralizantes homotípicos circulam por toda a vida, fornecendo proteção duradoura contra esse sorotipo primário. No entanto, durante uma infecção secundária por sorotipos diferentes, anticorpos heterotípicos não neutralizantes persistentes se ligam aos novos antígenos, formando complexos que aumentam a entrada do DENV através do receptor Fc. Esse fenômeno agrava a infecção facilitando a entrada do DENV em mais células hospedeiras. O mesmo fenômeno pode ocorrer em pacientes vacinados e em recém-nascidos de mães previamente sensibilizadas.
Quando uma grande quantidade de vírus invade as células hospedeiras, uma resposta forte das células recém-infectadas ativa múltiplas cascatas inflamatórias. Enquanto isso, uma reação cruzada fraca entre as células T previamente ativadas e a infecção pelo novo sorotipo induz a produção de citocinas pró-inflamatórias, como interferon (INF)-α, IFN-β e IFN-γ. Essa liberação de citocinas é ainda agravada pela NS1, que, junto com anticorpos não neutralizantes, estimula a liberação de NF-κB, resultando, em última análise, em uma “tempestade de citocinas”.
Permeabilidade vascular
A Síndrome de Permeabilidade Vascular da Dengue, anteriormente conhecida como febre hemorrágica da dengue (DHF) e síndrome do choque da dengue (DSS), é uma condição complexa e multifatorial associada à permeabilidade capilar e vazamento plasmático, potencialmente levando à doença grave. Várias hipóteses foram propostas para explicar o mecanismo dessa permeabilidade.
O que sabemos é que a ativação do sistema imunológico pelo DENV, incluído ativação plaquetária, além de complexos do vírus-sistema imunológico do hospedeiro e ataque direto as células endoteliais, leva a disfunção da barreira endotelial resultando em hiperpermeabilidade vascular e a um aumento na passagem de fluidos e moléculas através do endotélio.
Trombocitopenia e coagulopatia
A trombocitopenia na dengue é resultado de supressão precoce da produção de plaquetas na medula óssea, destruição periférica das plaquetas por anticorpos e aumento do consumo de plaquetas pela aderência a células endoteliais danificadas. O vírus da dengue suprime a produção de plaquetas ao infectar células-tronco e megacariócitos na medula óssea, causando também alterações nas células estromais. A reatividade cruzada de anticorpos contra o vírus e plaquetas pode destruir as plaquetas na periferia. Estudos sugerem que a ligação de anticorpos anti-NS1 a plaquetas promove sua destruição pelo complemento. Anormalidades na função plaquetária, como agregação prejudicada, também são descritas.
Além disso, alterações na cascata de coagulação e fibrinólise são comuns na dengue. Na fase grave, há um ligeiro aumento nos tempos de protrombina, TTPa e trombina, relacionado a danos no fígado e ativação da coagulação. O fator tecidual aumenta na fase febril. Mudanças na fibrinólise incluem aumento de tPA e PAI-1 na fase crítica, enquanto o inibidor de fibrinólise ativável por trombina diminui. Pacientes graves apresentam diminuição de proteína S e C e aumento de PAI-1, refletindo um desequilíbrio pró-coagulante e fibrinolítico. A maioria dos pacientes se recupera espontaneamente dessas anormalidades durante a convalescença.
Características Clínicas
Manifestações clínicas e laboratoriais
Classicamente, a doença progride em três fases: febril, crítica e de recuperação, embora essas fases nem sempre sejam bem definidas na prática clínica. Durante a fase febril, após o período de incubação de 3 a 10 dias, os pacientes experimentam um início abrupto de febre, dor de cabeça, mialgia, artralgia, dor retro-orbitária e anorexia. Náuseas, vômitos, dor de garganta e faringite também podem ocorrer. Dor abdominal e diarreia são mais comuns em crianças, embora esses sintomas também possam aparecer em pacientes adolescentes e adultos.
Durante essa primeira fase, os níveis de leucócitos e plaquetas podem diminuir, e petéquias (pequenos pontos de sangramento na pele) e equimoses (grandes pontos de sangramento subcutâneo) podem estar presentes. Eritema morbiliforme generalizado (branqueamento com pressão) também é comum. Após 2 a 5 dias, os pacientes experimentam a defervescência, caracterizada por uma queda repentina da febre, e aqueles sem problemas de permeabilidade vascular começarão a se recuperar.
No entanto, a fase crítica começa para aqueles que experimentam aumento da permeabilidade vascular, e seu estado clínico pode deteriorar rapidamente. O plasma vaza para o espaço extravascular, causando hemoconcentração, caracterizada por um aumento de 20% ou mais no valor do hematócrito, e leucopenia e trombocitopenia atingem o nadir. Se o vazamento do plasma continuar, o volume intravascular diminuirá, e o paciente pode progredir para o choque. Há um aumento no risco de hemorragia, especialmente do trato gastrointestinal. A hipoperfusão persistente pode levar a comprometimento de órgãos, acidose metabólica e coagulação intravascular disseminada, culminando com disfunção de múltiplos órgão e óbito. Naqueles que se recuperam, esta fase dura de 24 a 48 horas.
Durante a fase final, ocorre a convalescença com a reabsorção gradual do fluido extravascular, associada a uma melhoria no estado clínico. Os pacientes experimentam aumento da diurese e do apetite, e os níveis de leucócitos e plaquetas retornam ao normal. Alguns pacientes podem apresentar uma erupção cutânea generalizada e pruriginosa, conhecida como “erupção de recuperação”, devido à liberação de histamina por células de mastócitos. Alguns pacientes podem persistir com sintomas como dor de cabeça, mialgia, artralgia, anorexia, alopecia e insônia, por mais de dois anos. O status imunológico e polimorfismos genéticos podem estar relacionados a esses sintomas persistentes.
Sinais de alerta e classificação de gravidade
A dengue grave é definida como vazamento grave de plasma levando ao choque – definido como taquicardia, estreitamento da pressão de pulso (uma diferença na pressão sistólica e diastólica inferior a 20 mmHg), enchimento capilar lentificado e hipotensão- e acúmulo de fluido pulmonar com dificuldade respiratória, hemorragia grave ou envolvimento grave de órgãos, especialmente do sistema nervoso central (SNC), fígado e coração.
Em 2009, a OMS introduziu uma nova classificação para casos de dengue, substituindo os termos anteriores “Febre Hemorrágica da Dengue” e “Síndrome de Choque da Dengue” por Dengue com ou sem sinais de alarme e Dengue Grave. Embora os termos anteriores ainda estejam em uso, vários estudos demonstraram que a nova classificação reflete melhor a progressão natural da doença e possui maior sensibilidade e especificidade na identificação de pacientes com risco de dengue grave. Além disso, a nova classificação facilita que o paciente seja encaminhado mais precocemente para a unidade de terapia intensiva (UTI), possibilitando um melhor manejo de potenciais deteriorações.
Os sinais de alarme introduzidos na classificação de 2009 provaram ser uma ferramenta valiosa para prever pacientes com risco aumentado de progressão da doença. Embora individualmente tenham baixo valor preditivo positivo, sua combinação resulta em maior precisão e deve ser usada para monitoramento próximo.
Sinais de Alarme:
• Dor abdominal intensa (referida ou à palpação) e contínua.
• Vômitos persistentes.
• Acúmulo de líquidos (ascite, derrame pleural, derrame pericárdico).
• Hipotensão postural e/ou lipotímia.
• Hepatomegalia maior do que 2 cm abaixo do rebordo costal.
• Sangramento de mucosa.
• Letargia e/ou irritabilidade.
• Aumento progressivo do hematócrito.
Alguns estudos recentes identificaram outros potenciais novos marcadores que poderiam ser adicionados a esta lista para melhorar a precisão:(2)
– Alteração do estado mental.
– Taquicardia.
– Aumento de bilirrubina total.
– Aumento dos níveis de aspartato aminotransferase (AST) e alanina aminotransferase (ALT).
– Diminuição nos níveis de albumina.
Abordagem Diagnóstica
Diagnóstico Específico
Os testes diagnósticos para dengue variam de acordo com a fase clínica. Na fase febril inicial (primeiros 5 dias), recomenda-se o teste de antígeno NS1 por ELISA ou IC, detectável até o nono dia com alta especificidade (90-100%) e sensibilidade (60-90%).
Após o quinto dia, anticorpos específicos podem ser detectados por testes sorológicos (IH e ELISA). O ELISA é amplamente usado em países em desenvolvimento, com alta sensibilidade (90%) e especificidade (98%). A OMS sugere confirmar o diagnóstico com evidências de soroconversão de IgM para IgG ou aumento significativo nos títulos de IgG.
Em áreas endêmicas, onde há transmissão de outros flavivírus como o vírus Zika, o vírus Chikungunya e o vírus da Febre Amarela, o diagnóstico diferencial pode ser desafiador porque as manifestações clínicas são semelhantes e os testes sorológicos podem apresentar reações cruzadas com infecções ou vacinações anteriores. Recomenda-se RT-PCR para diagnóstico molecular, especialmente quando há transmissão de outros vírus. Em casos de teste positivo de IgM anti-DENV, um teste de neutralização por redução de placas pode confirmar o diagnóstico, embora esteja raramente disponível.
O isolamento viral é o teste mais específico, mas devido ao custo e tempo, é reservado para pesquisas, requerendo laboratórios específicos e pelo menos 7 dias para resultados.
Abordagem Complementar
Sobrecarga de hidratação
Durante a fase de recuperação, há uma rápida reabsorção do fluido que se acumula em espaços virtuais (como pleura e peritônio) que se formou por causa do vazamento de plasma. Portanto, para evitar a hipervolemia é importante a interrupção da fluidoterapia nessa fase. A administração excessiva de fluidos pode causar edema pulmonar ou insuficiência cardíaca congestiva.
Outras causas para uma sobrecarga de volume também podem ocorrer em caso de uso de grandes quantidades de solução hipotônica ao invés de isotônica para reposição volêmica, usar grandes quantidade de soluções cristaloide em vista de sangramentos graves não identificados e uso inadequado de transfusões sanguíneas. Esse quadro pode ser ainda mais agravante em pacientes com comorbidades como Insuficiência Cardíaca, DPOC, Doença Renal, etc.
Portanto, metas individualizadas e reavaliações frequentes são cruciais para fornecer um melhor cuidado a esses indivíduos de alto risco.
Na fase de recuperação, se o paciente ainda apresentar sinais de hipervolemia e dificuldade respiratória, mesmo após a interrupção dos fluidos intravenosos, é recomendada a administração de diuréticos como a furosemida. Pacientes que apresentam sinais de sobrecarga de fluido, mas ainda estão hipotensos, devem ser avaliados para investigar sangramentos ocultos, comprometimento cardíaco ou infecção secundária.
Coinfecção Bacteriana
É incomum ter coinfecção bacteriana associado com a Dengue, apenas em torno de 7% dos casos, porém quando acontece, parece estar mais relacionado a aumento de gravidade, até 44% das mortes associadas à dengue estão correlacionadas infecção bacteriana. Focos mais comuns: bacteremia primária, seguida por pneumonia, colicistite aguda e infecção do trato urinário. Paciente com maior risco são aqueles de idade avançada, IRA, sangramento do TGI, febre prolongada (mais de 5 dias), e com alteração do nível de consciência.
O diagnóstico de coinfecção pode ser bem desafiador, alguns sinais que podem estar relacionados: leucocitose, Proteína C-Reativa aumentada, lactato aumentado, pontuação do APACHE II elevada. Além disso a procalcitonina pode ser útil nesse cenário. Na suspeita de sepse, o tratamento com antibiótico deve ser instituído o mais rápido possível.
Manejo Geral
O foco do tratamento da Dengue é o cuidado de suporte e o reconhecimento precoce de sinais de alarme. Durante a fase febril, o tratamento dos sintomas com repouso, antipiréticos e hidratação é suficiente. Todos os pacientes devem ser instruídos sobre os sinais de alarme e a fase crítica que pode seguir a defervescência. Pacientes com fatores de risco para doença grave devem ser acompanhados de perto. Anti-inflamatórios não esteroides e ácido acetilsalicílico devem ser evitados devido ao aumento do risco de sangramento gastrointestinal e à síndrome de Reye.
Sobre corticoide na Dengue: Uma revisão Cochrane de 2014 não mostrou redução significativa na progressão para doença grave, sangramento, trombocitopenia grave e mortalidade. Portanto, a OMS contraindica o uso de corticosteroides em infecções por dengue. Mais ensaios clínicos randomizados são necessários para abordar melhor essa questão.(2)
Manejo do Extravasamento de Plasma e Choque
O extravasamento do plasma é o principal mecanismo de choque na dengue e provavelmente a maior preocupação na dengue grave. Por volta da defervescência, o paciente pode apresentar piora dos sintomas e aumento da permeabilidade capilar. A reposição volêmica é necessária para prevenir ou reverter o choque hipovolêmico. A reidratação oral pode ser suficiente em pacientes sem sinais de alarme e que toleram a ingestão oral de líquidos. No entanto, pacientes que não toleram a ingestão oral de líquidos, têm aumento persistente do hematócrito apesar da hidratação oral ou apresentam sinais de alarme devem receber fluidos intravenosos.
De acordo com estudos clínicos não houve diferença no desfecho ou benefício no uso do colóide como hidratação, portanto, a fluidoterapia inicial deve ser realizada com cristalóides. A solução de colóide intravenoso é indicada em choque intratável resistente à primeira ressuscitação. Em falta de solução colóide o MS recomenda utilizar albumina 0,5-1 g/kg); preparar solução de albumina a 5% (para cada 100 ml desta solução, usar 25 ml de albumina a 20% e 75 ml de SF a 0,9%).
A ressuscitação de fluidos deve ser orientada por parâmetros clínicos para melhorar a circulação central e periférica, caracterizada pela diminuição da taquicardia, melhora da pressão arterial ou da pressão de pulso, Tempo de Reenchimento Capilar menor que 3, melhora do nível de consciência (mais alerta ou menos agitado), produção de urina ≥0,5 mL/kg/h e melhora de acidose metabólica. Medidas do hematócrito podem ajudar a avaliar a responsividade aos fluidos. Quando o hematócrito diminui sem melhoria clínica ou manutenção do choque hipovolêmico, deve-se investigar sangramento oculto.
Existe um dinamismo único na evolução desses pacientes, pois o mesmo pode desenvolver episódios recorrentes de hipotensão e choque, portanto as primeiras 24–48 horas de vazamento de plasma são críticas e o paciente precisa de monitorização e reavaliação contínuas. Os fluidos intravenosos devem ser retirados gradualmente após melhora dos parâmetros de perfusão. Com o tratamento adequado, a maioria dos pacientes se recuperará em poucos dias.
Manejo de Trombocitopenia e Hemorragia
Na Dengue as manifestações de sangramento são comuns, afetando aproximadamente 20%–60% dos pacientes hospitalizados. Embora o sangramento mucocutâneo seja frequentemente leve, hemorragias graves nos sistemas gastrointestinal, ginecológico e pulmonar podem ocorrer, levando a desfechos fatais. Curiosamente, vários estudos relataram uma correlação fraca entre trombocitopenia e anormalidades na coagulação com a incidência e gravidade do sangramento. Ou seja, não é necessariamente porque o paciente apresenta uma plaquetopenia grave que ele vai sangrar. Já a duração do choque é um dos principais fatores de risco para hemorragia grave em pacientes com dengue grave. Esforços para monitorar de perto o hematócrito e a terapia intravenosa vigorosa podem ser cruciais para reduzir o uso de produtos sanguíneos e encurtar a internação hospitalar.(2)
Transfusão profilática de plaquetas
Como a trombocitopenia é bastante comum, tem sido avaliado em várias pesquisas se há benefício na transfusão profilática de plaquetas, no entanto, ensaios clínicos randomizados avaliando o papel da transfusão profilática de plaquetas, ou seja pacientes sem sangramentos ou com sangramentos leves e plaquetas abaixo de 20.000/mm3 e 30.000/mm3 falharam em mostrar redução significativa na progressão para sangramento grave. Por outro lado, eventos adversos relacionados à transfusão, como sobrecarga circulatória e reações alérgicas, foram relatados.(2)
Estudos que avaliam o aumento pós-transfusão de plaquetas descobriram que os não respondedores eram indivíduos com contagens basais de plaquetas mais baixas (<10.000/mm3). Os autores hipotetizaram que a destruição mediada pelo sistema imunológico pode ser mais pronunciada em pacientes com contagens mais baixas de plaquetas. Portanto, aqueles mais propensos a receber concentrados de plaquetas também podem ser mais propensos a serem maus respondedores e não se beneficiar da transfusão. Atualmente, não há evidências que respaldem a transfusão profilática de plaquetas. No entanto, são necessários mais estudos com poder suficiente para avaliar os benefícios da transfusão na prevenção de sangramento grave em limiares mais baixos, especialmente em pacientes com Dengue Grave.
Transfusão e outros agentes para pacientes com hemorragia
A lise plaquetária mediada pelo sistema imunológico do paciente com dengue, também pode atingir as plaquetas transfundidas e ainda não temos estudos randomizados avaliando o benefício da transfusão de plaquetas para pacientes com sangramentos. Em vista disso a OMS sugere iniciar com transfusão de concentrados de hemácias ou sangue total para pacientes com hemorragia significadativas, mas também parece raozoavel individualizar cada caso e considerar transfusão plaquetária nos casos mais graves e refratários, já que o grau de ativação imunológica pode varias de indivíduo para indivíduo.
Além disso devemos estar cientes, que além da trombocitopenia, também devemos avaliar e corrigir outras anormalidades da cascata de coagulação, com plasma
fresco congelado (10 mL/kg), crioprecipitado (1 unidade para cada 10 kg) e vitamina K.
Medidas específicas e locais para controlar o sangramento também podem ser úteis, como empacotamento nasal anterior com esponjas hemostáticas para epistaxe e métodos hormonais para menorragia. Procedimentos invasivos desnecessários devem ser evitados.
Gestantes
A gravidez aumenta o risco de Dengue Grave uma vez que as alterações fisiológicas que ocorrem durante a gestação frequentemente podem mascarar os sinais clínicos e laboratoriais da infecção por dengue, levando a diagnósticos incorretos. O aumento da pressão de pulso, a hemodiluição devido à expansão do volume sanguíneo com diminuição do hematócrito, leucocitose com linfopenia associada e trombocitopenia gestacional são algumas das alterações sistêmicas que podem confundir o diagnóstico. Mulheres grávidas têm 3,4 vezes mais risco de desenvolver dengue grave em até 3,4 vezes([OR]=3,38; [IC] de 95%: 2,10 a 5,42)(2), associado a complicações como aumento da mortalidade materna, aborto espontâneo, natimorto e morte neonatal, além de outros resultados adversos na gravidez. O extravasamento de plasma, afetando a placenta, é considerado o principal mecanismo subjacente a essas complicações.
O manejo da dengue em gestantes envolve monitoramento hospitalar, estabelecimento do hematócrito basal, evitando a sobrecarga de fluidos e adiando o parto eletivo. Em casos inevitáveis de parto, a transfusão de plaquetas pode ser necessária, e a cesariana deve ser evitada. Recém-nascidos devem ser monitorados quanto aos sinais de dengue, sem recomendação para suprimir a amamentação, apesar de um potencial risco de transmissão pelo leite materno.
1. DENGUE diagnóstico e manejo clínico adulto e criança MINISTÉRIO DA SAÚDE Brasília-DF 2013 4 a edição DENGUE diagnóstico e manejo clínico adulto e criança MINISTÉRIO DA SAÚDE [Internet]. Available from: http://editora.saude.gov.br
2. Tejo AM, Hamasaki DT, Menezes LM, Ho YL. Severe dengue in the intensive care unit. Journal of Intensive Medicine. Chinese Medical Association; 2023.
Leituras Recomendadas:
– UpToDate: Dengue virus infection: Prevention and treatment, AUTHORS: Stephen J Thomas, MD, Alan L Rothman, MD, Anon Srikiatkhachorn, MD, Siripen Kalayanarooj, MD

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